quarta-feira, 9 de abril de 2014

Quem é Chibita?

Vamos esclarecer desde já. Chibita não fala, pensa. E pensa muito, e muito rápido a ponto de parar atônita, meio destraida, desenfocada, fica fora do eixo a destrambelhada. Pensa tanto que lhe faltam palavras para expressar o que pensa. Nem teria como as ter. Nunca estudou. Ia pra escola mas não conseguia se concentrar nas aulas. Na sua cabeça o som dos atabaques, a cantigas, os ejó. Tudo a distraia. A subalterna não fala e muito menos escreve, portanto, falarei por ela, pois a conheço bem. Conheci várias; Chibita não é uma só. Onde há uma comunidade de terreiro haverá lá uma ou várias Chibitas. Tem mãe-de-santo que diz que todo terreiro tem que ter uma Chibita. Para lhe facilitar a vida, por certo.

Chibita quer dizer serva, escrava, doméstica, ser inferior, objeto de exploração indispensável às comunidades de terreiro da Bahia. Seja bequeira, seja tombada, todas dispõem de uma pelo menos. Chibita ficou famosa através de Painho, personagem de Chico Anísio dos idos anos oitenta. Painho estava sempre acompanhado de sua Cunhã, termo derivado de abiã. Segundo dizem, certa feita Chico participou de um programa de rádio com o babalorixá Paulinho de Oxum, que estava acomapnhado de uma de suas abiã. Em determinado momento Paulinho sentiu sede e chamou a Chibita, "Abiã!!!" E Chico catou a idéia, mas não ouviu direito o nome abiã e reproduziu como entendeu: Cunhã! Pronto! Chibita ganhou o Brasil e o mundo, mas nunca passou de abiã. Chico morreu e com ele seu personagem Painho, que nunca iniciou sua Chibita Cunhã. E assim como a Cunhã de Painho, Chibita está sempre sentada ao lado do pai ou da mãe de santo. Sempre de prontidão, de guarda, calada, atenta e inexistente. Sempre servindo. Eternamente ouvindo, e pensando, e chingando, e desconjurando. Mas Chibita não fala.

Chibita tem seis irmãos, não conheceu o pai, nem o seu nem de seus irmãos. Sua mãe, filha de Odé, era mulher batalhadora. Criou os filhos sozinha vendendo fato na feira, como pode, mas tudo tem limite. O corpo também conhece o seu. Sucumbiu sem fazer santo. Foram enrolando, embromando. Hoje diziam, "esse barco não dá, tá faltando Oxum pra você entrar." Depois, "não tem mãe pequena, fica pro próximo." E assim foi perdendo a vontade, pois a de Odé há tempos perdera. Morreu abiã sem direito a carrego nem a axexê. Chibita queria ser diferente, queria se iniciar, fazer obrigação, se tornar uma ebomi, mas sem família, sem uma tribo, e sem dinheiro estava presa ao abiãnato. 

Vida de Chibita é difícil. Acorda cedo, quando dorme. Cozinha, lava, passa, engoma, e desconjura. A Sinhá, ou melhor, a mãe-de-santo, tem que estar sempre bela e bem vestida e isto dá muito trabalho. Pros outros, é claro. E Chibita faz de um tudo. Não porque quer ou porque gosta, mas porque não tem escolha. Se for mandada embora vai pra onde? Sem parente nem aderente vive a vida observar, escutar, pensar e espraguejar, pois é humana e tem sentimento de todo tipo. 

Sua vida social é a macumba. Conhece todos os terreiros do bairro, dos "tombados" aos bequeiros. Sim! Há diversas classes de candomblés na Bahia e os que têm "pedigree" se referem aos demais como candomblés de beco, ou seja, os vira-lata, de água barrenta, axé de panela que todos metem a mão, e vários outros termos pejorativos. O candomblé, enquanto religião de oprimido, sabe reproduzir bem os valores opressores, mesmo que o discurso negue isto.  

Chibita espera fazer santo. Não sentada porque não tem tempo pra isso. É filha de Iansã, é perseverante, é forte e determinada. E enquanto não é chamada vai vivendo aqui e ali, entre uma festa de Exú e uma de Padilha, entre um terreiro tombado e vários becos.









 

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